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2 de outubro de 2020“Pois, pela lei, eu morri para a lei, a fim de viver para Deus. Já estou crucificado com Cristo. Portanto, não sou mais eu quem vive, mas é Cristo quem vive em mim. E essa vida que vivo agora no corpo, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim. Assim, não cancelo a graça de Deus; pois, se a justiça vem por meio da lei, então Cristo morreu inutilmente.” (Gl 2.19-21 – AS21)
Na carta aos Gálatas, o apóstolo Paulo está combatendo o falso ensino de que a salvação não é pela fé somente. Os falsos apóstolos estavam ensinando que a salvação era alcançada inicialmente pela fé, mas que era necessário uma manutenção humana, seguindo as leis, datas e dietas. Paulo enfatiza, na carta, que somos salvos pela obra exclusiva de Jesus, a qual temos acesso por meio da fé.
Não é pelo que fazemos ou deixamos de fazer que alcançamos a salvação. A salvação é um ato da graça soberana de nosso Senhor.
Ao refletir sobre a graça e obra exclusiva de Cristo na nossa salvação, sem que haja um esforço de nossa parte, poderíamos concluir que o evangelho anunciado por Paulo incentiva a uma vida de pecado. Mas será que é isso que a carta nos ensina? Claro que não!
Um dos pontos levantados pelo apóstolo e que podemos entender como a chave que conecta todos os pontos com relação a graça, a fé, a salvação e a nova vida em contraste com o velho homem é a união do crente com Cristo, que ele aborda no capítulo 2.19-21.
Paulo está dizendo que aquele que crê em Cristo morreu para a Lei, morreu para o pecado e agora vive para Deus. Se fomos crucificados com Cristo (v.19), ou seja, se a nossa carne juntamente com as nossa paixões e desejos foram crucificados, então já não vivemos mais na prática do pecado.
Aqui Paulo está tratando da doutrina da nossa união mística com Cristo Jesus, que também está presente nos demais de seus escritos.
Na cruz, Jesus levou o velho homem que foi crucificado com ele, e em sua ressurreição, surge u novo homem. Pela fé, morremos juntamente com Cristo, sendo batizados nele (Gl 3.27) e assim em sua ressurreição, ressuscitamos também com ele revestidos de Cristo para uma nova vida. Isso se dá pela operação do Espírito Santo em nós.
Quando uma pessoa passa a viver no Espírito, é liberta do domínio da carne. Isto é visto como a morte da carne; a carne foi crucificada (Gl 5.24)¹. A mesma ideia é expressa quando Paulo diz que foi crucificado para o mundo, e o mundo para ele (Gl 6.14). George Ladd afirma que “a pessoa em Cristo – ou no Espírito – é uma nova criatura, para quem a antiga vida de servidão à morte e ao pecado passou, e a nova vida de liberdade e justiça chegou² .
O conceito de união com Cristo está relacionado com a doutrina da aliança feita entre Deus e seu povo e onde Cristo é o mediador dessa aliança. Cristo é o cabeça e a igreja é o corpo de Cristo. Da mesma maneira que o corpo está unido à cabeça, a igreja está unida a Cristo³. Da mesma forma como fomos unidos a Adão no pecado, somos unidos a Cristo na nova criação (Rm 5.12-21). De acordo com Ladd, o indivíduo em Cristo está também “no Espírito”, e se o oposto de estar “em Cristo” é estar “em Adão”, o oposto de “no Espírito” é estar “na carne” ⁴(Rm 8.9; Gl 5.16).
Aqueles que estão em Cristo continuam a viver em sua carne mortal, humana, mantém-se a mesma esfera física, mas entram em uma nova esfera espiritual, a da vida no Espírito (Gl 2.20). De acordo com este verso de Paulo, Gl 2.20, o crente tem uma nova vida porque Cristo vive nele. E é Cristo no crente que lhe assegura a esperança da redenção final (Cl 1.27).
A união com Cristo, em sua morte e em sua ressurreição, a nova vida no Espírito e a garantia da vida eterna são descrições da situação da pessoa de fé, que se tornou uma nova criatura e entrou na nova era da salvação e da vida.
Em Gl 2.19, o apóstolo Paulo aponta que se não estamos em Cristo, estamos debaixo da Lei, e assim não podemos viver para Deus. Sendo assim, só podemos viver para Deus e agradá-lo se estivermos unidos com Cristo. Este ponto faz a conexão entre a questão da união com Cristo e a questão da salvação pela graça mediante a fé sem o mérito humano. De acordo com Timothy Keller, não há como combinar mérito e graça, ou seja, viver pelo nosso esforço ou viver a nova vida em Cristo⁶.
A verdadeira vida só pode ser obtida por meio da união com Cristo, logo a ideia de que um crente pode ter vida fora desta união mística com Cristo não passa de ficção da imaginação. O regenerado não pode viver vida nenhuma que não seja em união com Cristo. Aqui vemos a conexão com mais uma doutrina, a da regeneração. De acordo com Abraham Kuyper, a regeneração só existe com o estabelecimento da união mística com Cristo, e a união mística com Cristo só existe no regenerado. Portanto toda concepção sobre regeneração que não faz justiça à união mística com Cristo é antibíblica, erradica o amor fraternal e gera orgulho espiritual. E se sabemos que a regeneração é uma obra de Deus em nós, por meio da operação do Espírito Santo, logo, a união com Cristo também é um ato de Deus, e ninguém pode se unir a Cristo por si mesmo.
A união com Cristo não é algo que sentimos, como as emoções ou alguma sensação física. Trata-se de uma união espiritual, que acontece primariamente diante de Deus, pela perspectiva divina. Deus nos considera em Cristo, nos une a seu Filho e trata conosco também por meio de seu Filho Jesus Cristo.
Se a união com Cristo não é percebida por sensação física ou emocional, como podemos saber que essa união aconteceu? Os efeitos dessa união são experimentados por meio de mudanças de atitude. E aqui é importante ressaltar um ponto que é central na carta aos Gálatas: essa mudança de atitude não é fruto de uma obra do ser humano, de um esforço da carne (Gl 3.3), mas a mudança ocorre porque agora é Cristo que vive no crente. É isso que Paulo afirma em Gl 2.20, apresentando a transformação que ocorreu em sua vida decorrente de sua união com Cristo.
Unidos com Cristo, o pecado não pode mais nos dominar, estamos mortos para o pecado e também para a morte (lembrando do título da obra de John Owen), passamos a viver sem culpa e não tentaremos nos justificar diante da Lei. Assim podemos viver para Deus, para sua glória, sua vontade, satisfação e deleite, teremos mais anseio por conhecer a Cristo. Quando formos surpreendidos em algum pecado (Gl 6.1), nos entristeceremos pela percepção de nossa fraqueza, mas também seremos renovados e encontramos alegria na nossa salvação. Não mais produziremos as obras da carne, em contrapartida, perceberemos o fruto do Espírito em nós.
O entendimento dessa união com Cristo também nos conduzirá a um amor especial pela igreja de nosso Senhor Jesus Cristo, visto que ele está em sua igreja, unido com cada irmão de qualquer tempo e lugar. A união com Cristo nos faz perceber que não existe pessoas superiores ou mais espirituais que outras dentro da igreja, pois Cristo é um em todos, está sobre todos e age em todos.
Por: Samuel Fratelli